Procedimentos para elaboração de Catálogo Raisonné (CR)

Um catálogo Raisonné (CR), também chamado de catálogo Racional, é uma compilação de toda a produção conhecida de determinado artista, ou, um recorte bem definido da mesma, como um período ou técnica específica (pinturas, esculturas, desenhos, etc.).

Este tipo de catálogo se apoia no conceito de autoria, sendo necessário a criação de critérios bem definidos para auxiliar os pesquisadores na determinação da autoria das obras analisadas, baseando-se no fazer do artista estudado.

A produção de um catálogo raisonné é um projeto extenso e seu desenvolvimento deve levar em consideração as especificidades de cada artista, assim como, disponibilidade de pessoal, de orçamento, entre outros fatores.

Os catálogos racionais vêm se tornando uma ferramenta cada vez mais importante pois, não só permitem a preservação do legado do artista em questão, como também, auxiliam o mercado de arte frente ao aumento das falsificações.

Diante deste cenário, diversas instituições têm buscado criar parâmetros e diretrizes para auxiliar os profissionais que desenvolvem esse tipo de projeto (alguns links podem ser encontrados ao final do texto). A seguir apresentamos algumas diretrizes estabelecidas pelo Authentication in Art – AiA para auxiliar esses profissionais. É importante ressaltar, no entanto, que são diretrizes gerais, não exaustivas e que cada projeto deve considerar as especificidades do artista estudado.

Desenvolvimento de um CR

(i)               Preparação:

- tenha no grupo um profissional com formação em história da arte ou habilidade    de pesquisa em história da arte;

- faça revisão bibliográfica de material produzido sobre o artista e o período e contate estudiosos do tema e autores de outros catálogos raisonné do artista, caso existam;

- busque a colaboração com especialistas de outras áreas, visando uma equipe multidisciplinar;

- obtenha autorização para reprodução das obras do artista;

- crie bancos de dados computadorizado e protocolos para registro e manutenção de dados obtidos;

- tenha contato com um grande número de obras, tanto do artista, quanto do período em que ele estava inserido;

 - faça divulgação que o grupo está desenvolvendo um projeto de raisonné, através:

          . de anúncios na web de instituições adequadas, nos catálogos de leilões e   revistas de arte, dentre outros;

         . publique artigos referentes ao artista em periódicos da área;

         . contate museus que possuem obras do artista e galerias que trabalham com obras do artista;

         . organize uma mostra retrospectiva do artista em um museu.

- torne o projeto visível e acessível, criando uma página na internet que:

           . explique as finalidades e escopo do projeto, adicionando detalhes de contato;

           . convide proprietários de obras do artista a submeter dados e imagens;

                . disponibilize endereço postal. Fotos analógicas são mais difíceis de trabalhar, porém materiais físicos trazem dados valiosos, por exemplo, de quem e de onde as imagens estão sendo enviadas, facilitando a identificação do proprietário e a localização da obra;

                 . especifique os procedimentos para recepção de imagens, incluindo formato e definição preferível das fotos;

   . possua uma área segura onde especialistas possam trocar informações. - Tome cuidado especial sobre quais informações podem ser públicas;

- especifique os termos legais e documentos de regras de aceitação para avaliação e inserção de uma obra no CR.

(ii)              Coleta de dados:

-  Colete fotos das obras em alta resolução:

   . se possível receba os arquivos em formato RAW, com fotos tiradas com a escala de cor, de cinza e escala métrica;

   . estabeleça um mínimo de resolução das fotos, necessariamente maior ou igual a 300 dpi;

   . estabeleça um padrão para realização de fotos (sugerimos aqui o padrão para fotografias técnicas de obras de arte do I3A);

    . Caso as obras tenham passado por processos de restauração, busque ter acesso a imagens que mostrem o estado da obra de arte antes, durante e após o tratamento, assim como, a relatórios de conservação e restauro das mesmas.

- Colete dados adequados e sistematizados:

   . consulte coleções de fotos, bibliotecas especializadas, institutos de pesquisa, arquivos de museus, galerias e do próprio artista (arquivos dos ateliês, de herdeiros, etc.), quando possível, entreviste pessoas ligadas ao artista.

- Tenha contato com o máximo de obras do artista que puder. Para tanto, contate museus, galeristas, vendedores, leiloeiros e colecionadores para estudar as características próprias do artista. Busque também inspecionar obras de outros artistas do período, buscando definir quais características são comuns ao período e não apenas ao artista em questão.

- Quando em contato direto com as obras, faça registros fotográficos:

  .da frente e verso da obra;

  .de selos, rótulos, inscrições, assinaturas, detalhes e marcas que possam existir;

  .do suporte para obter informação sobre estado de conservação, reentelamento, desenhos, pinturas superpostas, cortes, etc;

  .de detalhes relevantes, como por exemplo, condições de craquelamento, desgastes, furos, locais que mostram possíveis danos, condição da tela, etc.

 -registre também as medidas da obra com moldura ou equivalente, e sem a moldura;

Os dados e imagens podem ajudar a esclarecer uma variedade de aspectos inter-relacionados, tais como, técnica e materiais usados, local e data da produção, locais posteriores de armazenamento, qualidade de execução, autoria e estado de conservação. Detalhes técnicos referentes a suporte podem ser facilmente documentados e podem ser ferramentas úteis para estabelecer padrões de uso.

-Deve ser levado em conta o estado da obra para o estabelecimento da autoria e, em particular, devem ser atendidos os seguintes quesitos:

  . a camada pictórica não ter sido afetada por descoloração, sujeira ou verniz de escurecimento;

  .ter uma substancial porção da camada pictórica original preservada que permita o reconhecimento do traçado manual do artista e a qualidade do trabalho.

- é desejável que um relatório de proveniência seja preenchido. Ele deve possuir idealmente um registro dos nomes dos proprietários, datas e sequência de transferência, por sucessão ou vendas através de comerciantes ou leilões, e locais onde a obra esteve guardada, do tempo de sua produção até a atualidade.  Nesse aspecto, problemas podem surgir, tais como:

  .é muito fácil falsear uma proveniência. Sendo assim é necessário verificar cuidadosamente as proveniências publicadas e não apenas repetir uma literatura específica;

  .é muito difícil e geralmente impossível achar quem realmente foram os proprietários em determinada época;

  . Alguns proprietários não divulgam as aquisições e vendas de seu acervo, sendo difícil encontrar registros.

(iii)            RECOMENDAÇÕES PARA USO DE PESQUISA E INFORMAÇÕES TÉCNICAS

As recomendações essenciais são:

- colete material referente as condições físicas do objeto, tais como, arquivos de referência, dossiês de conservação, etc.

- trabalhe juntamente com um cientista especialista desde o início dos trabalhos. Nesse aspecto, defina primeiramente as questões a serem respondidas. A partir daí trace um plano de ação, entendendo as possibilidades e limitações das técnicas possíveis de serem aplicadas. Discuta as melhores opções tendo em vista um maior conhecimento sobre o fazer do artista (compreendendo, por exemplo, materiais utilizados, alterações típicas de estilo e técnica, possíveis alterações da obra devido a práticas de conservação e degradação de materiais, etc.). O cientista deve ter conhecimento de aspectos técnicos referentes a obra do artista que está sendo pesquisado e deve ter experiência em história técnica da arte, ciência aplicada ao estudo da arte e/ou conservação e restauro de patrimônio cultural. 

Aspectos relevantes devem ser estabelecidos, dentre eles:

  .aspectos físicos de interesse para a pesquisa;

  .aspectos físicos que possam ser facilmente documentados e utilizáveis para a identificação de materiais e técnicas;

  .estudos técnicos já feitos a respeito do artista (exemplo, imageamento por raio x e radiação infravermelha, estudo de pigmentos,  de suportes, de aglutinantes, etc.);

  .caminhos viáveis de investigação para definição das técnicas a serem utilizadas (exemplo, presença de desenho subjacente, reutilização de tela, etc.);

  . estabelecimento de limites de cada técnica.

-Não sub ou superestime os resultados de um estudo técnico-cientifico. Esse tipo de estudo pode ser importante para buscar atribuição ou datação de um trabalho. Pode concluir a respeito de uma técnica ou material utilizado por um artista. Entretanto, um relatório técnico não pode autenticar uma obra de arte diretamente, e sim ser ferramenta acessória nesse trabalho. Um bom estudo técnico testa hipóteses e responde uma questão colocada. Esses estudos podem ser limitados devido a questões orçamentárias e/ou disponibilidade de equipamentos, passando a ser fundamental a correta definição das questões, das melhores formas de respondê-las e, também, de uma adequada interpretação dos resultados.

-É importante ter em mente que algumas técnicas analíticas exigem a retirada de amostras. Mesmo que bastante diminutas, a retirada de amostras compromete a integridade da obra, sendo assim, essa possibilidade deve ser considerada com parcimônia e feita o mínimo possível. Caso haja a necessidade de prosseguir com determinadas técnicas invasivas, é importante pensar na conservação das amostras. No plano de longo prazo, é essencial:

  .manter arquivos e exames de amostras tiradas. Técnicas científicas possuem evolução e a interpretação dos dados não é absoluta. Amostras devem estar viáveis para reexame no futuro;

.escolher objetos para estudo com clareza do objetivo da pesquisa. E, também, estabelecer protocolos e aspectos de interesse da pesquisa;

  .estabelecer “networks”. Problemas complexos são melhor resolvidos com uma gama variada de opiniões. Nenhum especialista tem o pleno conhecimento. Pesquisadores que trabalham isoladamente raramente conseguem realizar trabalhos com efetividade;

  .garantir que a documentação está cuidadosamente realizada e arquivada.

(iv)            PESQUISA, PROCESSAMENTO E INTERPRETAÇÃO

-estabeleça a biografia do artista visando conhecer quando e onde os trabalhos foram realizados;

-estabeleça uma cronologia do trabalho do artista. Prepare uma lista de trabalhos datados como ferramenta de referência. A cronologia pode revelar técnicas e desenvolvimento do estilo do artista. Esses processos devem ser descritos e analisados. Os padrões servirão como evidência permitindo bases para julgamento de autoria de novos trabalhos.

-defina características e aspectos relevantes típicos da obra do artista (por exemplo, métodos, materiais, práticas, iconografia, etc.).

-compartilhe com todos os pesquisadores o maior número de possibilidades de investigação que possam auxiliar na compreensão de resultados obtidos. Caso haja fontes de referência sobre compra e uso específico de algum material, coloque no protocolo para ser examinado.

(v) RESPONSABILIDADES E OBRIGAÇÕES

 -mantenha cuidadosos registros de visitas a museus, colecionadores e comerciantes de arte sobre trabalhos vistos e discutidos, e arquive os correspondentes relatos;

 -deixe claro os acordos dos proprietários das obras de arte sobre como e o que será mencionados no CR, definindo as linhas de crédito esperadas;

 - somente formalize uma opinião relativa a determinada obra, se solicitado pelo proprietário. Nesses casos, o proprietário deve ser informado que é a opinião de um especialista e não um certificado de autenticidade;

-ao emitir uma opinião, certifique-se das implicações legais das afirmações, incluindo responsabilidade financeira para transporte e seguro e outras decorrentes de opinião de especialista;

-busque proteção de seguros de responsabilidade, por exemplo, sobre erros autorais e políticas de omissão;

-formalize documentos com o proprietário da obra para reduzir a exposição a demandas judiciais;

-seja sempre cuidadoso com escritos e ênfases, especialmente para proprietários não familiarizados com trabalhos de pesquisa, enfatizando que as afirmações são opiniões pessoais, refletindo o atual estado da arte da pesquisa, e que a opinião pode mudar ao longo do tempo dependendo de novos achados;

-não denomine as declarações sobre autoria como “certificado” ou “pericia” e sim “opinião fundamentada”;

-não cobre uma taxa ad valorem quando emitir uma opinião de autoria. Caso haja o pedido por um estudo mais completo e substancial, a eventual cobrança deve ser realizada com base em valores de horas técnicas despendidas no estudo.

(vi) O CATÁLOGO

Para artistas antigos e clássicos pode haver seções no CR com obras consideradas com dúvida, obras rejeitadas e obras conhecidas por fontes antigas. Obras duvidosas ou rejeitadas são assim definidas por estarem em literatura especifica anterior. Para haver rejeição definida da obra no CR, há necessidade de serem mencionados os argumentos de fundamentação. Estes enquadramentos buscam contribuir para o estudo das obras do artista.

Para artistas modernos e contemporâneos não é praxe inserir obras rejeitadas nos estudos do CR.

Há obras em que o estado de conservação está muito comprometido e poucas partes da pintura e suporte estão originais. Nestes casos, as obras não podem ser catalogadas como aceitas para o CR, excetuado quando a inclusão possua claras explicações sobre o péssimo estado de conservação da obra e o porquê de sua inclusão.

Para cada obra analisada, deve ser indicado o nível de certeza de acordo com classificação previamente definida e o tipo de evidência utilizada. Se não há análises técnicas disponíveis, deve ser claramente indicado. Quando não há evidencia técnica referenciada, assume-se que não são conhecidas pelos especialistas.

A estruturação recomendável do CR é por sequência cronológica. No entanto, para artistas que trabalharam por um curto espaço de tempo ou não datavam as obras, pode ser escolhida outra sequência, dado que a falta de cronologia impossibilita a percepção do desenvolvimento do artista ao longo do tempo.

A publicação do CR deve atender a 8 quesitos:

1.      Precisão (sem erros factuais, omissões questionáveis ou deturpação de estudos anteriores);

2.      Clareza (frases inequívocas);

3.      Coerência (o material deve ser apresentado de maneira lógica e com estrutura balanceada);

4.      Consistente (sem conflitos de afirmações ou visões);

5.      Completa (tanto quanto possível, nos limites que foram propostos para o CR);

6.      Articulada (o método e organização do catálogo deve seguir o trabalho natural do artista);

7.      Fácil uso;

8.      Confidencialidade (resguardando a identidade dos proprietários e, se necessário, localização).

        A publicação deve incluir os seguintes aspectos:

- introdução com objetivo, limitações, métodos e teoria utilizada, especificação da definição de autoria e critérios claros de aceitação das obras como autorais;

-instruções práticas de uso;

-apresentação estruturada (fontes de pesquisa, índices, lista de abreviaturas, lista de ilustrações, bibliografia, lista de exposições citadas de forma abreviada, apêndices de documentos importantes);

-crédito das fotografias;

- avisos legais aplicáveis;

- currículo do autor/time/comitê.

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